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Dados do cidadão: a real experiência de viver a cidade

Impacto dos Dados na Transformação das Cidades Inteligentes

Nos últimos dias 12 e 13, participei do Evento Conecta, um grande encontro que discutiu tecnologias e soluções inteligentes na transformação de cidades. Foi muito interessante ver a necessidade de discussões relevantes no setor público sobre os dados do cidadão. No meu caso, me envolvo tanto em nossos “mundos tecnológicos” dentro do escritório, que muitas vezes, deixo de lado a realidade ao nosso redor.

No palco do evento, refleti sobre esse afastamento. Aproveitei e trouxe uma perspectiva sobre o uso de dados do cidadão por parte dos governos, empresas e organizações que precisam agir pelo bem público.


Cidadão que consome, cidadão que gera dados

Alguém aí já negou o CPF ao atendente da farmácia quando solicitado para receber um cuponzinho com descontos? Todas as vezes que somos atendidos em grandes redes somos abordados dessa forma. Estamos tão acostumados a isso de tal forma que nem questionamos se o desconto é real. O valor final pode ser apenas o valor comum do produto. O que é vendido como desconto, dessa maneira, é só uma forma de monitorar nossas ações, compras e compartilhar esses dados do cidadão.

No livro-ensaio “A Sociedade do Cansaço”, o escritor sul-coreano Byung-Chul Han questiona como saímos de uma Sociedade Disciplinar, dominada pela negatividade, para uma Sociedade do Desempenho, baseada na iniciativa e motivação.

Nessa obra, ele provoca: essa sociedade da iniciativa nos “obriga” a mostrar algo sempre sendo feito. A academia, o home office, a praia do fim de semana, a cerveja no happy hour etc. Antes de mais nada, todas essas ações são eventos que são dignos de compartilhamento. Mas João, o que isso tem a ver com dados do cidadão, poder público e sua fala no Conecta Recife?

Essa necessidade de iniciativa nos leva a aceitar e, nesse sentido, nos tornarmos geradores de dados sobre nós mesmos. Às vezes nem percebemos e, muitas vezes, não nos importamos.


Penso, logo existo. Ajo, logo registro?

Na sociedade da positividade, a ação vale muito e o registro da ação vale tanto quanto a realização. Com o intuito de aparecermos, abrimos mão da privacidade para ceder dados a grandes empresas. Localização, câmera, horários (seu celular sabe mais sobre seu sono do que seu médico), imagens, percursos, compras, conversas e tudo mais. Inegavelmente o nosso histórico de ações está presente em diversos bancos de dados espalhados pelo mundo.

Han traz uma perspectiva sobre isso: estamos repetindo um padrão de sucesso do passado. Se voltarmos algumas décadas no tempo, teremos os grandes influentes da era indo atrás de eventos, bailes de gala e outras formas de APARECER. Mostrar-se enquanto relevante, importante e poderoso.

Atualmente, os poderosos estão atrás de quem se mostra o tempo todo. A postagem de uma foto é realizada e, logo após, alguns (muitos) dados do cidadão são coletados. Toda palavra que escrevo aqui gera mais dados. A coleta dos dados se transforma em informação para os próximos textos. Se realizo um percurso utilizando meu smartphone conectado com o carro, velocidades, deslocamentos, paradas, avisos e muito mais são coletados e armazenados. Eu não lembro onde almocei ontem, mas o fornecedor do sistema operacional do meu smartphone com certeza tem essa “lembrança.”

Assim, nos mostramos. Aparecemos. Em outras palavras, estamos à vista, repetindo um padrão que foi sucesso há décadas: “Quem não é visto, não é notado”, diriam os antigos. Hoje, quem não é visto, é quem está ganhando com os dados do cidadão. Quem é visto, está doando seus dados.

E João, é o fim do mundo? Devo jogar meu smartphone fora e viver numa caverna? Jamais.


Utopia, distopia ou só a realidade? O Futuro dos Dados do Cidadão.

Não é o fim do mundo, mas o começo de uma oportunidade.

Vivemos num mundo tão acostumado a abrir mão de uma suposta privacidade em nome de tão pouco. 7,5% de desconto na dipirona, uma recomendação de onde jantar e uma sugestão de caminho mais rápido para casa. Isso é o suficiente?

E quando vamos estar acostumados a ceder nossos dados para receber outras comodidades? Uma consulta gratuita numa clínica, sem atrasos e com garantia que chegarei lá pelo transporte público. Transporte esse que me reconhece ao entrar no modal. Reconhecimento que já calcula e avisa ao sistema integrado que, provavelmente, chegarei por lá 15 minutos depois do horário marcado? E, com isso, a própria clínica pode encaixar alguém que já está por lá ou está mais próximo de chegar?

Um smart bus no Brasil ainda está limitado a ser elétrico e mais amigável ao meio ambiente. Mas podemos ir além. Por que não detectar os dados dos usuários?

Do outro lado, quando o poder público vai aceitar que estamos falando de dados sensíveis do cidadão, claro. Mas esses mesmos dados já estão sendo minuciosamente avaliados, tratados, vendidos, repassados, elevados, rebaixados todo o santo dia?

Imposto de Renda: os dados do cidadão na palma da mão

A partir de hoje, precisamos declarar o imposto de renda. Na declaração pré-preenchida, já temos todo um raio-x através de nosso CPF. A receita já sabe muito sobre a gente. Na verdade, quase tudo. E, nessa funcionalidade simples, entregou algo que pode incentivar o cidadão comum a fornecer CPF aqui e acolá para registrar seus gastos dedutíveis. Além disso, garante uma experiência muito mais rápida e fácil num processão tão criticado. Afinal, tem alguém que goste de precisar declarar seus ganhos para saber se você deve ao Estado ou irá receber algo de volta?

Não chegou a hora dessas experiências virarem padrão para o cidadão e de retornarem pra ele de uma forma que melhore a experiência de viver uma cidade, um estado, um país?

Os dados estão aí. Estarão sempre. Não estamos tão preocupados com o que as big techs fazem com eles, mas estamos ressabiados de pedir e usar informações que podem trazer uma melhoria significativa na vida de cada um?

Vamos discutir e vamos agir. Para transformar uma ideia em produto, nós trabalhamos muito. Então vamos também transformar as informações que temos em sistemas integrados que garantam não o monitoramento da sociedade de Foucault, mas a liberdade de agir numa sociedade positiva com todo apoio e qualidade de vida que o estado pode oferecer pela nossa qualidade de vida.